Outra coisinha...

Não crie raízes em solo areoso, assim como não espere encontrar aguá em seu mais novo esconderijo, é preciso ser adaptável e constantemente ligeiro, toda mudança é um passo para o crescimento... Acredite apenas em si mesmo!


Você é o visitante:

segunda-feira, 25 de junho de 2012

A Carta


Eu estava quente enrolado ao edredom, com umas meias acima das canelas quando um raio de luz transpassou a janela de madeira. O quarto estava gelado, escuro, com apenas o fio de luz certeiro em meus olhos. Sentei a beirada da cama exausto, preguiçoso, sem vontade de sair dali, senti calafrios! Uma agonia começou a tomar conta, uma tristeza sem saber o porquê, sem sentido algum. Como uma brisa a beira- mar, busquei o olhar no travesseiro ao meu lado, Yasmim, minha filha envolta aos braços daquele anjo, minha segunda Mãe, e como as ondas ligeiras e sutis, levou toda aquela sensação ruim para as profundezas daquele mar que tentava me arrastar.


 Um beijo em uma face, segundo beijo na outra face e as deixei ali descansando. 

No corredor fui tirando as meia, uma briga até na porta do banheiro, liguei a ducha na temperatura mais alta, deixando a neblina me cobrir. Entrei debaixo daquela cachoeira fumacenta com olhos fechados, deixando a água escorrer por todo meu corpo, pensando como estaria meu amigo, na sua recuperação física, assim como a mental. Eu com as minhas lutas percebo o quanto a dele foi mais travada que a minha, mais cruel. Antes mesmo de concluir meu raciocínio senti umas mãos invadindo meu corpo, arrepiando a alma, que mão gelada! Ela sorrio com meu arrepio e eu... A beijei! BUM! Lá se foi todos meus pensamentos, minhas alienações. Ficamos abraçados com a água caindo, caindo...  Escorrendo pelos seus lábios, ensaiando um sorriso de canto, junto daquele olhar que só as mulheres tem, penetrante, atormentador, alucinógeno... Minha redenção! Suas mãos foram me envolvendo, as minhas percorrendo suas costas até os cabelos, junto de beijos no ombro e pescoço, até chegar a sua boca. Um banho demorado era tudo de que eu precisava... Somente ela, apenas ela! 

Já eram 11horas da manhã quando comecei a ler meu e-mail. E como de costume comecei a ler a carta... De repente uma pausa, o mundo a minha volta silenciou-se, e tudo já ia fazendo sentido antes mesmo de Bianca revelar o falecimento de um cara guerreiro. São poucos nessa vida que reconhecem o seu próprio erro e tenta modificar seu fim, sua passagem pra outra vida, levando apenas as coisas boas, e ele... Conseguiu! 

Após terminar de ler o e-mail, entrei em contato com Bianca para me informar do enterro, na verdade já estava tudo preparado!

Fui o primeiro a chegar ao local do velório com a minha esposa, o corpo dele ainda não estava lá.

Após uma meia hora ele chegou deitado em seu último leito, com Bianca caminhando ao seu lado, tudo estaria selado as 15horas.
As horas foram se passando, pessoas presentes...
Eu,
minha esposa, 
a empregada, 
o cozinheiro, 
o porteiro,
Bianca (a enfermeira) e uma coroa que eu pedi para fazerem. Apenas seis pessoas presentes, triste... Sim, extremamente triste! Todos ali presente teve seu interior transformado, reeducado, nos mostrando como nossas escolhas podem nos deixar só, mortos antes mesmo de conhecer a morte.

“Não somos obrigados a nada nesse mundo. Enquanto mantivermos a educação, o respeito, compreendendo opiniões opostas, aceitando a diferença de cada ser humano estaremos criando nosso próprio céu aqui na terra.”
O inverno com chuvas parece enterro clássico de cinema. Nesse dia não choveu, saiu um sol bem claro de céu azulado, mas ventou tanto que as folhas dançavam no ar. Fui notar a presença do padre somente na última caminhada até o descanso eterno. Senti um forte cheiro de flores, junto dele veio uma tristeza por saber que alguém seria enterrado sem deixar uma lembrança. Do que é que eu estou falando? Ele deixou uma lembrança, eu sou a lembrança, nós somos a sua lembrança, ele é o fundador do “Recanto”, que irá salvar a vida de muitas pessoas com câncer, ele deixou sua melhor provação de que procurou o perdão.

O padre começou a rezar, O Pai Nosso, Ave Maria... Eu olhei os olhos de cada um ali presente, todos em prantos, Bianca fez chover nesse dia, suas lágrimas eram puras e constantes, seu gritos eram como uma tempestade... Não quis imaginar o que seria perder o amor da minha vida, enfim, acabei chorando demais por entender o sentimento dela. Eu abracei-a, e o caixão foi sendo lacrado, o som torturante dos lacres faziam Bianca se contorcer de tristeza. E pra acabar de vez com tudo aquilo, a grande caixa foi descendo pelo buraco. Não se ouvia mais seu choro, apenas o vento, as árvores, até os pássaros pareciam fazer silêncio, e como a vida adora nos surpreender, Bianca tomou-me pelas mãos abriu um sorriso em meio às lágrimas e sussurrou:

“ - Temos uma missão agora, temos muito trabalho a se fazer, temos que fazer seu nome ser reconhecido temos que salvar vidas no... O Recanto!”

Ela tirou as palavras de minha boca.

Tudo o que ele significou pra mim, e o carinho que ele teve por mim, acabei herdando uma parte da sua fortuna para dar prosseguimento ao seu projeto. Bianca ficou com uma pequena parte, gerenciando e me auxiliando no Recanto. E a maior parte da fortuna ficou ao dispor das crianças futuras que necessitarão de tratamentos, cuidados e carinho acima de tudo!



Logo após sua morte juntei todas as cartas e e-mail, para fazer essa única carta, para lhe mostrar o quanto uma pessoa pode ser prejudicial a si mesma, o quanto uma pessoa pode ser forte mesmo a beira de sua morte e se reconciliar com o mundo. Lembre-se do mais importante em toda sua vida, Amar e ser Amado em Retribuição, desejar e satisfazer esses desejos com a dosagem sábia para não se arrepender das escolhas tomadas e nunca, jamais desistir de ser uma pessoa melhor, essa é minha carta a VOCÊ! 





sexta-feira, 22 de junho de 2012

A Carta - “Sem Tempo Para o Adeus”





Achei que as coisas irão melhorar para mim,
digo com relação a minha doença... Saco!
O sono me abandonou já fazem dois dias
e com a entrada do inverno
não sei se sou eu que estou piorando
ou o tempo que não colabora.

Uma inspirada longa para três tempos de tosse.
Sinto o ar preencher os pulmões
como fagulhas de vidros passando pelas minhas narinas,
ardem... E mais tosses!

Minha cama de casal toda macia e cheirosa
substituída por uma cama de hospital,
eles parecem esperar já pelo meu pior.

Bianca está aqui ao meu lado
dormindo sentada na poltrona... Coitada!
Eu disse para ela ir pra casa
ou dormir no quarto enfrente ao meu,
mas não, teimosa feita a uma porta.
Ela realmente gosta de mim!

Tosse, tosses e mais tosses,
todas abafadas com uma toalha grossa
para não acordá-la,
não preocupa-la.
Sinto meu corpo inteiro dolorido,
meus pés dormentes,
minha boca seca exalando um odor deplorável.

Morrendo de dentro pra fora!

Eu sei, ninguém precisa mentir ou omitir,
dizer que tudo irá melhorar,
eu sei... Que estou morrendo!
“Olho para cima e vejo uma criança correndo, por entre as árvores, não são árvores, são bananeiras grandes e baixas, folhas largas que algumas abrigam aranhas grudadas em suas teias... Um grito! Uma menina sai se batendo, balançando os cabelos, pedindo por socorro. O menino se aproxima e ajuda-a retirar aquele pequeno bicho... Nome que ela havia dado aquele que se prendera em sua roupa. Ele o pega devolvendo-o a bananeira, achou que ali estaria seguro. Ela olha para ele com lágrimas nos olhos e sorri, agradece e voltam a correr.”
Minha mãe sempre visitava minha tia,
éramos tão humildes eu e minha prima
que ela morava no lugar mais afastado do centro da cidade,
onde havia muitas chácaras e barracos.
Lembrei-me disso após ler sua carta
falando de seu avô.
O passado insiste em se fazer presente.
Agora entendo o que seu avô quis dizer
quando dizia:

“Todos os segundos que eu respiro, traço filmes do passado e do futuro em minha mente, fazendo do presente uma linda caixa de surpresa...”
Lembro da minha primeira paixão,
Estela, era esse seu nome,
loirinha dos olhos azuis,
paixão de todos os garotos da escola.
Estudei com ela da segunda até a sétima série,
com o tempo já não lembrava mais do seu herói.
Teve um caso na quarta série que me deram esse título.

“Estava ela com suas amiguinhas dois degraus acima do chão vermelho do pátio da escola, era a HORA DO RECREIO! Os meninos, eu, adorávamos brincar de pega-pega, acho que a escola inteira fazia isso, porque era difícil ver a molecada sentada. Corre pra lá, corre pra cá... SPLAT! Vagner um menino que morava em um orfanato próximo a minha casa fez com que a lancheira rosa voasse para longe, os presuntos deram cores ao óculos fundo de garrafas da quatro olhos, Estela caiu para trás... Ai em um momento de heroísmo, coisa de segundos, de cinema, saltei caindo antes dela no chão... Ela caiu sobre mim! No meu saco na verdade, foi a primeira vez que vi estrelas. Pensa numa dor... Ela se levantou, vermelha, não sei se era de vergonha ou raiva, deu início ao espancamento em Vagner, respondeu minha pergunta sem ao menos me agradecer.”
Já em sala de aula,
uma dizendo “foi ele”,
outro dizendo “que não tinha culpa”,
e a quatro olhos falou:

“Ele salvou ela!”
E contou toda história para a professora.
Um gritou:

“Aeee Superman!”
“Era mais um gato pulando!”
“Herói, ele é um herói!”
Disse a professora com essa frase,
junto palmas e algazarras,
os bagunceiros subiram em cima da mesa
se aproveitando da situação
quebrando aquele clima,
ai ela interrompeu dizendo bem gentilmente:

“ Calem a boca! Chega, cada um no seu lugar!”
Da professora foi parar na diretoria e eu...


Bem, sou a Bianca, acredito que ele fosse querer que eu terminasse esse e-mail. Você deve não estar entendendo o porquê de eu estar escrevendo. Bem, ele acaba de falecer a umas três horas atrás. Perdoe-me, mal consigo escrever, não consigo parar de chorar. (Ela chora aos soluços) Ele morreu enquanto eu dormia (olhos tornam a se encher de lágrimas), teve uma parada cardíaca. Não sei como isso aconteceu, mas não consegui ouvi-lo, nem mesmo me chamando, eu estava ao seu lado!(Chora por mais outros minutos.) Olha, sei que ele já sabia da própria condição, então deixou tudo por escrito com um advogado, (chora um tanto mais e conclui), achei melhor deixar você organizar o velório dele, já que é o mais próximo de ser da família. Ligo daqui à meia hora pra deixarmos tudo certo. Desculpa, não consigo mais escrever, até logo mais!


“ Uma forte dor no peito, o coração acelerado, dolorido, amargurado, um choro calado. Ele não pede por socorro, não esboça nenhum grito, apenas caras feias, mãos espremendo o lençol entre os dedos, o mundo girando, a respiração ofegante, brilhos de estrelas na escuridão que vai tomando conta diante de seus olhos, pequenos gemidos, imperceptíveis aos ouvidos humano, e em um último suspiro ele agradece aquela que lhe vem buscar... Seja breve! Assim ela se vai, dançante, como a borboleta negra de pintas brancas nas asas!”

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A Carta - "Até nos Reencontrarmos no Céu"






Acordei com uma preguiça enorme de sair da cama. Tudo bem, já são 10 da manhã, mas combinei de visitar o velho. Terçaferianos, é assim que meu avô costuma nos descrever, minhas folgas são sempre nas terças-feiras, o único dia que posso vê-lo.



A chuva lá fora respingando nas telhas envelhecidas pelo tempo, cobertas por um verde escuro escorregadio. Sinto o cheiro de café pela casa junto de uma poluição sonora saindo dos escapamentos dos veículos, que nem mesmo a madrugada consegue silenciá-los.


Ao som de “Bee Gees - How Deep Is Your Love” pego estrada a fora, meus 28 anos não condiz com meu gosto musical, nasci em época errada! Quase me perdendo pelo caminho, quase querendo me perder em um sonho acordado, fui até uma cidade vizinha, onde meu bom velho mora. É uma cidade pequena com apenas cinco quadras, rodeadas de fazendas, no caso uma delas sendo a do meu avô. 

Já na entrada da fazenda, uma mensagem em branco em uma madeira comida por cupim, pendurada por arames amarrados entre duas colunas finas de cimento, lá escrito:

“Aqui ainda não é o céu!”

Passando por esta placa há uma pequena estrada de terra, entre ela, dois lagos onde meus tios costumam pescar. Meu avô disse-me que ali é a representação do mar dividido no meio, a passagem de Moisés. O mais legal disso tudo, que ao continuar pela estrada ela começa a se inclinar, uma subidinha chata. Chegando-se ao alto do morro há uma grande mangueira e bem abaixo dela uma pedra retangular com os 10 mandamentos. Alguns metros ao lado fica a casa.

Ele sempre recebe as visitas em pé a porta, porém isso não acontece a meses, após o segundo derrame. Muitos dos movimentos ficaram limitados, andar é uma coisa que ele já não consegue mais. Ele está se acostumando a ver o mundo de baixo pra cima.

Assim que adentrei a casa fui direto a ele, estava na cozinha com a Dona Aurora, a cozinheira, ajudando-o a tomar um chá. Foi logo me recebendo com braços abertos sem sair do lugar, mãos trêmulas e um sorriso largo com seu fundo de garrafa saltando da face. Sua voz mais oscilante que as mãos me recitou:
“Vejo que o tempo não vê como o único alvo... (fez uma pausa olhando-me fixamente e continuou) , essa barba no rosto é pra por medo ou porque tenta esconder um sorriso? (fez muitas outras pausas até conseguir concluir a frase, em nenhum momento deixou de sorrir)”
Em passos largos o abracei numa pausa maior que a de sua frase junto de um beijo. Aqueles braços flácidos me envolveram oferecendo-me uma carona em sua cadeira de rodas até a mangueira.

A caminhada até a sombra daquela imensa árvore foi de contemplação, nenhum de nós dois se atreveu a falar. Após chegarmos ao nosso objetivo demorou mais alguns minutos até ele quebrar o silêncio de nossas almas.
"Muitas verdades são tão absurdas, que o que eu considero absurdo acaba se tornando tão normal aos olhos de outros. O mundo que assisto diante de meus olhos está agonizante, próximo de sucumbir. Eu mesmo cooperei pra isso um dia, vê essa mangueira? (Fiz um pequeno movimento de afirmação com a cabeça.) Esse morro era cheio dessas maravilhosas gigantescas, o chão era forrado de mangas pelo chão, crianças pareciam brotar das folhas espalhas pela terra, e essas mesmas se penduravam nesses galhos altos. Ai eu achei que precisava de mais espaço para meu gado, duas vacas e um boi, cortei todas elas deixando apenas está. Agora depois de meio morto percebo a besteira que eu fiz. Naquele tempo as crianças me irritavam só de chegar perto, vinham de vários lugares  correndo por esses gramados, hoje as procuro na lembrança pra poder me rejuvenescer. (Fez uma longa pausa olhando a parte de traz da casa.) Ali, onde fica o poço, havia uma estante de plantas, era da sua avó... Como aquela velha gostava de cores! Ela que me ensinou a cuidar da terra, a plantas aquelas árvores de laranja e mexerica.”
Pediu para caminharmos por entre o laranjal. Cada palavra que saia de sua boca era novidade pra mim, queria ser lembrado pensei comigo, mas não, queria me ensinar algo maior. 
“Fiz muitas besteiras nessa vida, cometi muitos erros nesse caminho, e se eu pudesse erraria tudo novamente, viveria com ainda mais intensidade, me preocuparia bem menos com coisas que me diziam para prestar mais atenção, e com toda certeza pediria mais perdão. Orgulho é egoísmo, não dar o braço a torcer é idiotice, e deixar um amor partir por essas duas coisas é uma morte prematura. Nossa passagem aqui é curta demais pra vivenciar uma guerra, ou pior ainda, começá-la. O amor mais puro que você irá sentir, será por um filho, é com ele que você aprenderá a usar a palavra eu te amo com toda intensidade. (Foi interrompido por uma longa tosse, mas retomou com a mesma velocidade que começou.) Entenda que dinheiro demais pode acabar substituindo valores, sentimentos, até mesmo a pessoa que ama. Tudo na vida deve ser usado no meio termo, saber dosar a própria vida! Todos os segundos que eu respiro, traço filmes do passado e do futuro em minha mente, fazendo do presente uma linda caixa de surpresa, aguardando o momento no qual a terei novamente em meus braços."
Após essa lição de vida ele disse que não aguentava mais ouvir a si mesmo, perguntou como andava minha vida, ai foi a minha vez.

Deixei a fazenda quando o sol estava se pondo, no horizonte aquela cortina de poluição laranja, que se vê até nos lugares mais afastados devido as rodovias que se infiltram entre a natureza. Ao sair pela porteira, reparei na mesma placa de madeira, que na parte de traz havia uma mensagem diferente:
“Até nos reencontrarmos no céu!”




Ai entendi o que ele quis dizer com o “...aguardando o momento no qual a terei novamente em meus braços." Ele espera rever minha avó! É triste parar pra pensar nisso, mas acho que esse é o amor do qual ele me falou, mesmo depois de muitos anos juntos ainda espera reencontra-la.

PS: Nem sei por onde começar... Você está me dando uma oportunidade para a vida toda, eu aceito sua proposta de emprego sem pensar duas vezes, não sei como te agradecer! Eu e minha esposa estamos passando por provações constantes, porque ela está desempregada e para piorar não conseguiu creche para a Yasmim, uma situação bem difícil assumir as contas sozinho, mas graças a você esse desconforto será superado.  Por falar em dificuldade, como que você está? Está de cama de novo, né?! Fiquei sabendo pela sua enfermeira... Tudo vai dar certo!